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O blog do Mau Feitio

Aqui sinto-me em casa. E de que falamos na nossa casa com quem nos faz sentir bem? Sobre tudo!

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Mãezinha de António Gedeão

Eu não conheço muito da poesia de António Gedeão, talvez mereça levar um estalo por isso, mas conheço muito pouco, só a Pedra Filosofal e o poema Mãezinha que conheci na voz do ator Vitor D'Andrade que também não acompanho em lado nenhum, mas foi ele que me fez gostar deste poema através do programa Um Poema por Semana da RTP, que tem como objetivo dar voz à poesia de poetas e escritores que já partiram e que marcaram indevelmente a literatura na língua portuguesa. Os poemas são ditos por várias pessoas, homens e mulheres que, em comum têm o gosto pela poesia. Cada poema é dito por mais que uma pessoa. O programa tem a duração de 3 mintos a 5 minutos.
Quando eu ouvi o ator Vitor D'Andrade a ''dizer'' o poema, eu adorei, pois ele usa um certo sarcasmo e ironia e isso só não dá voz como também dá vida ao poema.

Mãezinha

 A terra de meu pai era pequena
e os transportes difíceis.
Não havia comboios, nem automóveis, nem aviões, nem misséis.
Corria branda a noite e a vida era serena.
 
Segundo informação, concreta e exacta,
dos boletins oficiais,
viviam lá na terra, a essa data,
3023 mulheres, das quais
45 por cento eram de tenra idade,
chamando tenra idade
à que vai do berço até à puberdade.
 
28 por cento das restantes
eram senhoras, daquelas senhoras que só havia dantes.
Umas, viúvas, que nunca mais (oh! nunca mais!) tinham sequer sorrido
desde o dia da morte do extremoso marido;
outras, senhoras casadas, mães de fiilhos…
(De resto, as senhoras casadas,
pelas suas próprias condições,
não têm que ser consideradas
nestas considerações.)
 
Das outras, 10 por cento,
eram meninas casadoiras, seriíssimas, discretas,
mas que por temperamento,
ou por outras razões mais ou menos secretas,
não se inclinavam para o casamento.
 
Além destas meninas
havia, salvo erro, 32,
que à meiga luz das horas vespertinas
se punham a bordar por detrás das cortinas
espreitando, de revés, quem passava nas ruas.
 
Dessas havia 9 que moravam
em prédios baixos como então havia,
um aqui, outro além, mas que todos ficavam
no troço habitual que o meu pai percorria,
tranquilamente no maio sossego, às horas em
que entrava e saía do emprego.
 
Dessas 9 excelentes raprigas
uma fugiu com o criado da lavoura;
5 morreram novas, de bexigas;
outra, que veio a ser grande senhora,
teve as suas fraquezas mas casou-se
e foi condessa por real mercê;
outra suicidou-se
não se sabe porquê.
 
A que sobeja
chama-se Rosinha.
Foi essa que o meu pai levou à igeja.
Foi a minha mãezinha.

 

António Gedeão

 

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